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Dionísio Pestana. Da Madeira para o mundo

13 de Novembro, 2023
Dionísio Pestana a ser fotografo no Pestana Palace, em Lisboa.

Em menos de cinco décadas, Dionísio Pestana passou do 1 aos 100 em número de hotéis – e o grupo que fundou continua a acelerar, de forma sustentada. Esta é a sua história, contada na primeira pessoa.

Em quase 50 anos de hotelaria, qual foi o maior desafio que enfrentou?

Muito fácil de responder: foi quando cheguei à Madeira, em 1976, para salvar o hotel que o meu pai inaugurou em 1972 e que é hoje o Pestana Carlton Madeira. Eu era novo e não tinha experiência, apenas boa vontade, e o que eu queria, na verdade, era trabalhar na bolsa.

Porque é que o hotel estava com problemas?

O hotel estava a ser financiado com receitas do Prédio Funchal (atual Pestana Rovuma), no centro de Maputo. Após o 25 de Abril de 1974, perdemos essa fonte de rendimento, e o meu pai não estava disposto a meter mais dinheiro na operação da Madeira. Já o estava a dar como perdido.

Foto a preto e branco de Dionísio Pestana com colegas do Colégio Maristas em Joanesburgo, África do Sul.
Dionísio Pestana nasceu em Joanesburgo, onde passou a infância e juventude. Frequentou o Colégio Maristas num ambiente multicultural, com colegas de 50 nacionalidades.

O seu pai, Manuel Pestana, nasceu na Madeira e emigrou cedo.

Teve uma infância de pobreza, com fome. Fez a quarta classe e começou a trabalhar na agricultura de subsistência. Um dia falaram-lhe da “terra do ouro”, que era a África do Sul. 

O Dionísio já nasceu em Joanesburgo. Como era a sua vida familiar?

Os meus pais trabalhavam muito. O meu pai usava todo o capital humano gratuito que encontrasse, isto é, a minha mãe e eu. Eu saía da escola à sexta-feira e ia trabalhar para a loja.

Ajudava na contabilidade?

Qual quê! Ia servir ao balcão, encher os frigoríficos.

Que contacto teve com a ilha da Madeira antes de se mudar?

Tinha vindo cá duas vezes, uma com 6 anos e outra com 12 anos. Vínhamos de barco. Demorava três semanas – e essa era a melhor parte, porque a Madeira estava muito atrasada em relação à África do Sul, era tudo triste e negativo.

Quando chegou, em 1976, ficou a viver no hotel.

Foi a minha sorte, porque significava viver num mundo internacional, com muitos estrangeiros e uma vida social animada. Vivi numa suíte no 18.º andar até casar com a Margarida, aos 37 anos. Só então passei a ir de carro para o trabalho. Antes apanhava o elevador.

Foto de casamento entre Dionísio e Margarida Pestana, no Funchal.
Aos 37 anos, Dionísio casa-se com Margarida Pestana no Funchal.

Como resolveu os problemas de tesouraria do hotel?

Veio o boom do timesharing e consegui vender quartos a famílias que ainda hoje são clientes. Em dois ou três anos, conseguimos um fluxo de caixa suficiente.

Também deu para comprar o icónico Casino Park Hotel, em 1986.

Com esse hotel surge a primeira diversificação de negócio: o casino, que estava arrendado a um grupo libanês que pagava um milhão de dólares por ano. Foi por isso que não precisei de ir à banca, porque tinha essa liquidez – mas correu mal. 

Porquê?

Nunca nos chegaram a pagar.

Aí o que fizeram?

Olhe, tivemos de aprender o negócio dos casinos. Falei com o meu administrador, Luigi Valle, e fomos até Las Vegas, para tomar notas.

No ano seguinte, a empresa passou a ser cotada em bolsa em Lisboa.

Foram os tempos da loucura da bolsa em Portugal. Todas as grandes empresas estavam a fazer Operações Públicas de Vendas. Vendemos 25% da empresa em 1987 quase pelo mesmo valor com que tínhamos acabado de comprar o Casino Park Hotel.

É com esse dinheiro que se lança no continente?

Sim, comprámos 25% da Torralta, que tinha mão em tudo o que fosse turismo: desde casinos em Tróia a hotéis no Algarve. 

Foto de Dionísio Pestana no então Sheraton Madeira, atual Carlton Madeira Hotel
A entrada do Madeira Sheraton na década de 1970, antes de se chamar Pestana Carlton Madeira

Vem para Lisboa, mas não fica muito tempo.

Estive três meses nos escritórios, mas cada dia era um problema diferente com investidores, fornecedores, impostos… Por isso, troquei os meus 25% pela Salvor, empresa do grupo que tinha cinco hotéis no Algarve: o Alvor Praia, o Delfim (atual Blue Alvor Beach), o Levante, o D. João e o Golfinho. Como o negócio da hotelaria no Algarve é sazonal, comprei um campo de golfe para ter atividade no inverno, mas percebi que só me ocuparia 10 a 15% dos quartos. Por outro lado, com o golfe veio o imobiliário… 

Fica a ideia de que, nos anos 80 e 90, a expansão do negócio se faz mais como reação às circunstâncias do que como resposta a um plano estratégico.

Sim, o sonho começou com um hotel. Chegou uma altura em que tínhamos quatro hotéis grandes na Madeira e nenhum no continente. Depois surgiu um terreno em Cascais onde se podia construir, e fizemos o Atlantic Gardens. Em 1991, comprámos um palácio em Lisboa que, esse sim, ia ser o nosso ponto de viragem. 

O futuro Pestana Palace Lisboa.

Aí senti que os hoteleiros de Lisboa passaram a olhar para nós de outra forma. Era um edifício com muita história e pensavam que os madeirenses o iam deitar abaixo para construir em altura. Fez-se até um abaixo-assinado contra o nosso hotel! Mais tarde viram que se enganaram e pediram desculpa.

Quando se dá a viragem na ambição global?

Quando vamos para África. Numa visita de Estado a Portugal, o Presidente de Moçambique passou pelo Alvor. Falei com ele. Queria que devolvesse o prédio que o meu pai perdera com a Revolução, para que de alguma forma se sentisse ressarcido. Ele concordou em ceder o prédio por 60 anos, mas não o terreno, e na condição de o convertermos num hotel de quatro estrelas. Quem liderou essa operação foi o José Roquette. Foi uma ótima aprendizagem. Quando o Pestana Rovuma ficou concluído, abrimos o Pestana Bazaruto, também em Moçambique. 

Dionísio Pestana e Cristiano Ronaldo.
Dionísio com Cristiano Ronaldo na inauguração oficial do primeiro hotel Pestana CR7, no Funchal, a 22 de julho de 2016. Mais quatro seriam inaugurados até 2022.

Como se proporcionou a parceria Pestana CR7?

Já tínhamos diferentes tipos de hotéis, mas faltava-nos uma categoria lifestyle. Fomos ver se o Cristiano estaria disposto a ceder o nome, mas ele gostou tanto da ideia que quis investir. Temos também uma empresa de promoção imobiliária em conjunto chamada Ponta de Lança. 

Aos 70 anos, como é o seu dia a dia?

Tranquilo, embora preocupado com o futuro. Sempre tive o princípio de diversificar o risco, para proteger o Pestana Hotel Group

Ainda acompanha a construção dos hotéis?

Sim, dá-me muito prazer. No resto, preocupo-me com a estratégia e estou sempre com um olho no balanço e no cash flow. Participo nas grandes decisões, mas já não na gestão do dia a dia. 

Tem um hotel Pestana preferido?

Passo férias há 30 e tal anos no Alvor Praia com a minha mulher e filhos, sempre em julho. E em agosto vamos para Porto Santo. Já em África, gosto muito do Bazaruto, em Moçambique. 

Os seus filhos interessam-se pelo negócio da família?

A Carlota é psicóloga. O Lourenço tem espírito empresarial e está a fazer o seu percurso na restauração. O Manuel tirou hotelaria, mas interessa-se mais pelo imobiliário. O Vasco acabou agora Direito e vai começar em setembro um estágio pelos departamentos todos do grupo. É o que tem mais vontade e acredita que um dia vai liderar o grupo. Mas isto é um barco muito grande e o negócio tem de ser gerido de forma profissional, através de uma comissão executiva.

Foto a preto e branco de Manuel e Dionísio Pestana na década de 80 no Pestana Carlton Madeira.
Manuel e Dionísio Pestana no Carlton Madeira na década de 1980.